Manuelzão E Miguilim

Páginas: 14 (3378 palabras) Publicado: 18 de mayo de 2012
Boitatá – Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL INSS 1980 - 4504

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“UMA ESTÓRIA DE AMOR”: UM DIÁLOGO INTERCULTURAL1

Introdução

Guimarães Rosa caracteriza-se por escolher uma forma de escritura que subverte o cânone literário oficial. Em vários dos seus textos, a utilização da matéria oral tradicional é uma das formas de subversão. São as recriações ou incorporações damatéria popular que permitem a diluição da fronteira entre oral e escrito, erudito e popular, abrindo novos caminhos de onde vão emergir vozes silenciadas até então. Em “Uma Estória de amor”, Guimarães Rosa apropria-se deliberadamente de formas, temas, procedimentos e princípios geradores da produção, transmissão e recepção do texto oral tradicional Além de temas da oralidade, são versados tambémpor ele procedimentos estilísticos, encaixes de gêneros e ainda a teorização do conto popular no seu processo de produção, de circulação e de recepção, o que atesta o modo consciente dessa apropriação que “vem trazer a lufada de oxigênio necessário à ecologia do sistema”, como afirma Zilá Bernd (1995, p. 81). Quando a literatura erudita apreende a matéria popular cria um texto onde aparecem doismodos discursivos diferentes que se articulam, instaurando um espaço em que se instala um jogo, onde cada um dos parceiros manipula as suas peças de modo a mostrar-se na sua diferença. É ainda Zilá Bernd que chama a atenção para as vantagens dessa parceria, ao afirmar que a “tendência de assimilar o heterogêneo determinará formações híbridas, que constituem, sem dúvida, o que há de mais vigorosona literatura brasileira.” (Bernd, 1995, p.75) Ao tematizar o popular, o erudito incorpora vários procedimentos da tradição oral, operando no interior do texto popular uma desarticulação, de modo que determinados elementos da sua estrutura, ao serem rearticulados, ressurjam revitalizados, portadores de novas funções, com vistas à floração de uma linguagem que transcenda aos seus limites originais.Nesse
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Este texto, apresentado no III Seminário Internacional Guimarães Rosa, Belo Horizonte, 2004, é uma retomada do artigo “A recriação da matéria popular em Guimarães Rosa” publicado na Revista Estudos Lingüísticos e Literários, Salvador/UFBA, v. I, n. 8, p. 75-92, 1989.

Número especial – ago-dez de 2008. Doralice Fernandes Xavier Alcoforado

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redimensionamento da matéria popular, a escritura não se apaga nem se esconde. Ao contrário, afirma-se ainda mais como linguagem. 1. O erudito tematiza o popular

A novela “Uma estória de amor”, de Guimarães Rosa, é modelar quanto à utilização da matéria oral, popular tradicional. Conhecedor da vitalidade e da importância da cultura populartradicional e fruidor do seu texto, Guimarães Rosa deliberadamente se apropria não apenas de motivos e de estruturas do conto e do romance tradicional. Integra uma variedade de outras formas desse acervo à sua narrativa de maneira tão natural que, por vezes, torna-se difícil dissociar um discurso do outro. Em “Uma estória de amor”, intercalam-se duas estórias: a de Manuelzão, apresentada por um narradoronisciente, e a do “Boi Bonito,” transmitida pelo Velho Camilo, que se encaixa à primeira, completando-a. A vida de Manuelzão consiste numa estória trivial, sem grandes emoções, que reflete o realismo da vida. Para encontrar a ilusão necessária à alimentação do espírito, ele recorre ao espaço mágico do faz-de-conta, através da inserção de o “Romanço do Boi Bonito” à sua estória: “Para bem narraruma viagem, quase que se tinha necessidade de inventar a devoção de uma mentira (ROSA, 1977, 126).2 Através desse encaixe, o espaço mágico do faz-de-conta se instala e Manuelzão, vicariamente, vai realizar-se através das aventuras, das emoções, da vitória e das honrarias do vaqueiro do romance, que passam a ser as suas próprias. A estória de Manuelzão esboça-se como um conto de fadas; mas, na...
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