Aparecidos Políticos

Os Aparecidos Políticos
Apesar de não acreditarmos na história como algo que tem uma origem estabelecida, fixa e imutável, e sim de compreendê-la como cheia de rupturas e descontinuidades (não acreditamos nas teorias estapafúrdias do fim da história), é importante frisar que houve um momento específico em que, vamos dizer, surgiu o espírito inicial dos Aparecidos Políticos. Esse momento foi oda chegada dos restos mortais do cearense até então desaparecido político Bergson Gurjão Farias à Fortaleza, em 6 de outubro de 2010.
Naquele dia, uma sensação estranha se apoderou de um dos membros: era como se ele, ali naquele ritual de velório e memória na concha acústica da UFC, já conhecesse aquele militante que havia caido na Guerrilha da Araguaia. Sem muita explicação havia uma sensaçãoali de que naquela caixa havia um peso insustentável que mesmo carregado pelos militantes e familiares, não poderia ser suportado: era o peso do real, o peso de anos de esquecimento, o peso da falta de memória, o peso da injustiça. Mas foi justamente esse peso que formou nosso espírito. Nos desesperamos com o real da morte, mas sobretudo, com a possibilidade real do esquecimento – que foi uma fatoexceção na história do nosso pais. Da mesma maneira como que somente esperando o filho chegar, a mãe de Bergson veio a falecer dias depois, da mesma maneira parece que quando os dois (mãe e filho) se foram, sentimos a chegada de algo inominável e invisível.
Naquele mês de outubro já se iniciava uma campanha do Governo Federal pela busca dos mais de 140 desaparecidos políticos de um dos maioresperíodos de repressão, assassinatos políticos e censura que houve na história do nosso país: a famigerada Ditadura Civil-Militar de 1964-1985. Os integrantes desse grupo, felizmente, tiveram a oportunidade de serem filhos da reabertura democrática: a década 1980 foi a que nascemos. É importante frisar que não somos filhos de ex-presos políticos nem temos familiares mortos ou desaparecidos políticos.Das poucas histórias que contamos de relação com esse período e nossos familiares, por exemplo, foi quando o tio-avô de um dos membros fora preso uma vez por estar jogando baralho no interior do Crato naqueles anos: ele não era comunista e foi preso por estar “tramando uma perigosa revolução”: um “subversivo” jogo de cartas.
Após aquele cerimônia de chegada dos restos mortais de Bergson,poesias e pinturas começaram a serem produzidas: o processo criativo já havia se iniciado sem pedir licença. Esse processo criativo estava surgindo cada vez mais forte, e as pinturas e poesias, por mais que fossem extremamente necessárias, não davam mais conta de algo que nos empelia para uma prática relacional, para as ruas. Dois dos membros do grupo já participavam desde 2008 do grupo Meio-FioPesquisa ação, coordenado pelo artista e professor Herbert Rolim, onde desenvolvem atividades de leituras e pesquisa teórico-prática sobre uma arte não mais voltada para um espaço representacional, fixa e enraizada numa cultura da arte monumental e moldurada, mas uma arte em que o aspecto do conceito, da ideia e da relação é que entra em cena. Um peso insustentável, uma coisa inominável, uma militânciapolítica e uma prática de arte urbana relacional foram as misturas que possibilitaram a produção de subjetividade da nossa primeira intervenção urbana: os ex-sem-voto.
Justamente devido ao avanço e abertura da 7ª Bienal Internacional de Dança – Bienal de Par em Par possibilitar a categoria de intervenção urbana no seu edital, nos foi possível pensar um projeto que dialogasse com o corpo – um dostema do Encontro. Havia naquele contexto, para a gente, um corpo que precisava ser preenchido, um pedaço de corpo que necessitava ser lembrado, encontrado. A história dos mortos, desaparecidos e ex-presos políticos, como somente alguns sabem, é a história de uma prática que se perpetua até hoje nos Centros Educacionais e delegacias, a prática da tortura. Foi a partir desse corpo despedaçado e...