Cultura, Política E História Um Debate Entre Canclini, Brunner E Thompson

Cultura, Política e História
Um debate entre Canclini, Brunner e Thompson

Lylia S. Guedes Galetti

Campinas/São Paulo, 1993

I - Apresentação

Neste texto, proponho uma reflexão introdutória sobre a temática das relações entre cultura e política, tomando como referência a problemática das culturas populares nas sociedades capitalistas.
Pode-se falar da existência de culturaspopulares nas sociedades capitalistas modernas, num contexto já marcado por fenômenos como “indústria cultural” e cultura de massa? Com que conceito de cultura e de popular? Aceita a existência de uma cultura popular, nesse contexto, como ela se constitue e que papel desempenha no espaço da política - no jogo de dominação, na construção de sujeitos coletivos, nos processos de transformação social?
Paraexplorar alguns aspectos destas questões, discuto textos de tres autores - Joaquin Brunner, N. García Canclini e E. P. Thompson - que, focalizando objetos distintos, consideram os processos culturais como uma dimensão essencial à compreensão do campo da política, e/ou inversamente, a dimensão política como indispensável na análise de práticas culturais.
Inicialmente, exponho o modo como aproblemática da cultura popular foi abordada por García Canclini e J. Brunner, destacando as críticas que este dirige aquele. Num segundo momento, faço uma leitura suscinta da obra de Thompson, e, finalmente procuro explorar as contribuições dos tres, levantando outras questões ao redor da mesma problemática.

II - A polêmica Canclini x Brunner

Na obra As Culturas Populares no Capitalismo,Canclini elabora uma proposta de interpretação dos conflitos interculturais cuja ênfase se volta para o modo de existência dessas culturas no contexto de desigualdade e contradições sociais que caracterizam o capitalismo, em especial em sua versão dependente.
Seu ponto de partida é um conceito de cultura que pretende romper com uma visão marxista reducionista - as manifestações culturais como meroreflexo da infra-estrutura econômica da sociedade - e, simultaneamente, com o enfoque antropológico que, definindo a cultura por oposição à natureza, tenderia a equiparar todas as culturas. (cf. Canclini: 1983, p. 29-30)
Pensando a cultura como produção de sentidos e partindo do pressuposto de que toda produção de sentidos está inserida em estruturas materiais, Canclini considera que a culturanão é apenas uma representação que os homens fazem da sociedade: é um processo que responde à necessidade de produção de sentidos inerente a todas as práticas sociais.
Nessa perspectiva, a cultura teria uma função não só de representar as estruturas sociais, contribuiria, também, “para a sua reprodução, transformação e para a criação de outras relações”. ( p. 29-30)
O uso do termo cultura, deacordo com a concepção do autor, deve restringir-se aos processos de produção de fenômenos que

“...contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social, ou seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e instituições dedicadas à administração, renovação e reestruturação do sentido”. (p.29)

Aliando Bourdieu a Gramsci, Canclini prossegue, procurando qualificar o modo através do qual a cultura opera a sua função de reprodução e simultaneamente, de transformação social - isto é, de “instrumento da luta pela hegemonia” (p. 34) ou, com diz noutra passagem, instrumento “através do qual é elaborada e construída a hegemonia de cada classe”. (p. 12)
A reprodução do sistema socialimplica não só a reprodução das relações de produção mas, igualmente adaptação dos trabalhadores à ordem social. Implica também, na reprodução da capacidade, por parte dos agentes do sistema, de manipular corretamente a ideologia dominante.
Nesse processo, a política cultural-ideológica desempenha um papel chave, pois sua função é orientar a vida dos trabalhadores “... no trabalho, na família, no...