Desnecessidade de posse física para o deferimento da guarda
1.sustos; fantasmas; exorcismos
Os operadores do direito sabem que nem sempre são as filigranas do Direito que nos perturbam. Muitas vezes é a vastidão do colossal e substancioso ordenamento positivo, em sua forma mais espalhada e espalhafatosa, com textos normativos superpostos e obscuros, somando-se àssucessivas e malfadadas intervenções normatizadoras do poder executivo e seus mirabolantes e ruinosos planos econômicos etc., que, literalmente, tiram o sono do profissional.
Nestes casos – porque, por mais prodigiosa que seja a memória e mais brilhante o indivíduo, todos temos limites –, a solução é partir para uma cuidadosa pesquisa atrás dos pontos perdidos do enredo, até que, preenchidas aslacunas do conhecimento, consigamos levar o processo a seu "grande final", a sentença.
Mas, a despeito desse fantasma comum da judicatura, existem outros que, mesmo eventuais e menos ruidosos, gostam de nos pregar os seus sustos. Para afugentar estes últimos não basta a dose usual de interpretação decisória, pois reclamam exercício suado de hermenêutica ("Mas esta casta de demônios não seexpulsa senão pela oração e pelo jejum" – Mateus 17 : 21).
1.1.o caso concreto
Julguei recentemente um pedido de guarda formulado por avô em face uma de suas netas. O detalhe (= o problema) era que a menor não vivia em sua companhia, antes permanecia na casa dos pais.
Com efeito, as testemunhas confirmaram que a menina não estava na posse física do avô, acrescentando, no entanto, que era estequem "respondia pelas despesas dela".
Instado a se manifestar, o INSS alegou que o pedido de guarda objetivava apenas os efeitos previdenciários inscritos no § 3º do art. 33 do ECA, e pretendeu ver o pedido indeferido.
O Ministério Público também pugnou pelo indeferimento, alegando, em suma, que o fato de a menor permanecer na companhia dos pais era impediente de reconhecer-se qualquer dassituações prescritas no ECA art. 33 e §§, juntando jurisprudência neste sentido.
Ao final da instrução, a "realidade dos autos" esplendia que: (1) apesar de avô e neta viverem na mesma cidade, moravam em casas diferentes; (2) a neta, com alguma regularidade, freqüentava a casa do avô; (3) era efetivamente o avô o responsável pelas "despesas" da menina (escola, roupas, remédios, brinquedosetc.).
Anote-se, por fim, que os pais da menor eram favoráveis ao pedido.
2.o questionamento
Inquietado, comecei a meditar no assunto, para não fazer injustiça e prejudicar quem quer que fosse.
No centro do debate estava a questão de saber se a posse física (= contado físico) do pretenso guardião sobre a menor era requisito necessário ao deferimento da guarda, ou, refinando o problema, sea permanência da menor na companhia dos pais era fato que impediria sua sujeição ao guardeamento do avô.
3. a perplexidade diante do texto normativo
A guarda não implica em perda ou suspensão do pátrio poder, e, portanto, em tese, os dois institutos podem incidir harmoniosa e concomitantemente sobre um mesmo e único bem. O problema era saber se a permanência da menor na casa dos pais erafato, por si só, impeditivo de que ao avô fosse deferida a sua guarda.
Cumpre esclarecer que a discussão envolve uma certa perplexidade diante da expressão "posse de fato", encontrada no ECA art. 33, § 1º. Como veremos, a guarda tem como hipótese de cabimento sobretudo duas situações em especial: (1) para regularizar a posse de fato, § 1º do art. 33; (2) como medida liminar ou incidental nos...
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