Diálogos entre colonialidade e feminismo: elementos para uma abordagem latino-americana
Liliam Litsuko Huzioka[1]
Esboço aqui algumas linhas iniciais de uma pesquisa que pretende cruzar as questões de colonialidade e de gênero. Enuncio, desde logo, portanto, meu ponto de partida, o que será imprescindível para o desenvolvimento do problema que trago à tona: meu pensar e agir estão situados nasmargens do sistema-mundo colonial/moderno, perspectiva que vem desde e sobre a realidade concreta da América Latina, pensando em algumas peculiaridades brasileiras e nos sujeitos aqui localizados.
São várias as formas de manifestação da opressão nesse espaço geopolítico, mas, diante da impossibilidade de trabalhar com todas elas neste momento, recorto o problema e analiso a desigualdade de gênero e acolonialidade, considerando seus reflexos, sem ignorar que não são próprias apenas da América Latina, mas das nações periféricas em geral, e mesmo das parcelas da população dos países do centro que são marginalizadas; além de compreender que as relações de opressão estão conformadas em um padrão global.
Analisar a opressão de gênero e pensar em um projeto libertador desde uma perspectivasubalterna latino-americana deve ser acompanhado da reflexão sobre as particularidades nossas, que conformaram nossa história, cultura, economia, sociedade. A abordagem inicia com a chegada dos colonizadores às Américas e evidencia as implicações do estabelecimento dessa relação com os europeus à realidade latino-americana, em especial quanto à condição das mulheres nesse contexto.
Legados doperíodo colonial na América Latina[2]
O recorte histórico deste trabalho tem início com a colonização das Américas desde o século XV-XVI, quando começa a se gestar o capitalismo em escala global[3] e a modernidade[4]. Inaugura-se um genocídio como nenhum outro ocorrido na história mundial, acompanhado de um etnocídio[5], que trataram de impor determinado modelo de credo, cultura, produção; modelos deproduzir, reproduzir e desenvolver a vida, conforme a perspectiva do colonizador. A população autóctone das Américas é dizimada ou submetida a viver sob esses padrões, estabelecendo desde então uma relação assimétrica de poder que inaugura a contradição colonizador-colonizado. “É a desigualdade de poder e de saber que transforma a reciprocidade da descoberta na apropriação do descoberto. Todadescoberta tem, assim, algo de imperial, uma acção de controlo e submissão.”[6] A produção da inferioridade é, pois, imprescindível para sustentar a noção de descoberta imperial, que se legitima e aprofunda conforme múltiplas estratégias que vão desde a escravatura até instrumentais políticos, econômicos e culturais[7].
Estabelece-se entre metrópole e colônia uma relação de exploração;enriquecimento e desenvolvimento das nações européias às custas dos frutos extraídos daqui, do trabalho escravo de populações negras e indígenas. O desenvolvimento dos segmentos populacionais locais e das classes nacionais está diretamente ligado à forma como se conformou o modo de produção e à forma como se impôs a relação colônia-metrópole. No Brasil, o sistema fora classificado como colonial-escravistacomo contrapartida a uma formação mercantil-salvacionista[8], inaugurando uma divisão mundial do trabalho[9].
O encontro dos europeus com os indígenas, povo considerado selvagem e, portanto, inferior, fez surgir a necessidade, enxergada pelo branco, de civilizar o outro, en-coberto pelo dominador-conquistador, que percebeu o indígena a partir de si sem considerá-lo em sua alteridade – como Outro,distinto. Um dos maiores símbolos da conquista foi a mulher indígena, sobre quem recaíram as mais violentas conseqüências da colonização. Foi invadida de diversas formas, teve destruída sua subjetividade, desrespeitado seu modo de vida. Assim como o homem, sofreu com as imposições do varão europeu, mas ainda teve destruídos corpo, sexualidade, subjetividade.
Os altos contingentes populacionais...
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