Documen
O conceito de cultura é chave em Ariel, e é compreendido de uma forma bem particular.Trata-se de uma concepção aristocrática de cultura como esfera do belo, da experiência estética e da atividade intelectual desinteressada. Para Rodó, os povos anglo-saxões teriam se enclausurado num materialismo estreito, num cálculo pragmático e instrumental. Os povos latino-americanos estariam em condições de contrapor a isso a herança genuína das civilizações clássicas. Rodó desenvolve um conceitoaurático de cultura, ligado à “experiência verdadeira” da arte, por oposição à brutalidade massificada do cotidiano capitalista.
Há, portanto, uma crítica ao capitalismo em Rodó, mas ela é feita de um ponto de vista aristocratizante e culturalista. Rodó tem horror à “multidão” e à “vulgaridade”. Seu grande adversário é o utilitarismo, que ele via encarnado nos Estados Unidos. O texto é uma nítidareação à modernização, uma tentativa de determinar um novo espaço para o intelectual “desinteressado” e “estético”, em meio à massificação moderna. Daí os insistentes chamados de Rodó a uma existência total, na qual o indivíduo fosse um exemplar não mutilado da humanidade, em que nenhuma faculdade do espírito ficasse obliterada. Reitera-se, sistematicamente, a crítica conservadora à divisão dotrabalho. Contra a “mísera sorte do operário”, Rodó evoca uma Grécia que “fundou sua concepção de vida no concerto de todas as faculdades humanas”.
Uma das máximas de Ariel–“quem distingue o feio do belo distingue o mal do bem”–denota uma clara escolha por Schiller, para quem a educação estética é um estímulo a todas as faculdades humanas, sobre Kant, que separava radicalmente a ética da estética,conferindo a esta uma autonomia absoluta. O que Rodó chama de “racional”, em Ariel, seria a possibilidade de recomposição dos trabalhos manual e intelectual, separados pela sobre-especialização moderna. Essa seria a verdadeira cultura, que permitiria ao indivíduo uma existência genuinamente “desinteressada”.
Como não poderia deixar de ser, Rodó mantém uma relação de profunda suspeita com ademocracia. Ela reforçaria o “desconhecimento das desigualdades humanas” e a “substituição da fé no heroísmo” , em troca de uma “concepção mecânica de governo”. A crítica ao utilitarismo norte-americano passa também por aí: a “desorganização” e “caos” da democracia utilitarista nos levaria à “brutalidade abominável do número”. A importação dos padrões estadunidenses representaria, para Rodó, uma ameaçaaos povos, à “originalidade insubstituível do seu espírito”.
Mesmo que claramente anti-democrático, Ariel também inspirou, durante décadas, uma linguagem anti-imperialista na América Latina. Ao contrário do que possa se pensar, a crítica ao imperialismo não passou sempre e necessariamente pelo vocabulário marxista. Publicado num momento em que os EUA acabavam de impor uma derrota militar à Espanhano Caribe e consolidavam uma política de invasões e interferências nos países latino-americanos, Ariel expressou, de forma meio tortuosa, uma resistência anti-imperial. O texto inspirou uma tendência poderosa no pensamento latino-americano, o arielismo, e constituiu a base de praticamente todas as Faculdades de Letras (e também de outras disciplinas) fundadas naquele momento na América...
Regístrate para leer el documento completo.