Espaço e criação

Espaço e criação. Os ateliês das cidades contemporâneas
Claudia Marinho 1

Quando relacionamos espaço e criação, a primeira imagem que vem a nossa mente é a do ateliê, contorno espacial que, tal qual a casa, revela o universo poético e as subjetivações daqueles que o ocupam. Dotado que é de uma aura definida pelas trocas, vivências e acontecimentos que o artista realiza para definir sua obra,o ateliê tem o seu sentido moldado pelas traduções que ele faz das informações que compõem o seu contexto. No cenário das produções contemporâneas, qualquer discussão sobre as relações espaço e criação desdobra-se para as dimensões da cidade, pois, bem sabemos, há muito o artista deixou de se limitar às fronteiras concretas de um local para realizar sua produção. Assim, os ateliês instalados nascidades contemporâneas são produto de diálogos e de apropriações feitas pelo artista e, portanto, parte integrante e reveladora de seu processo criativo. A metodologia proposta pela Crítica Genética, cujo objetivo é analisar a obra por seu caráter processual, permite discutir o espaço de trabalho do artista como instância reveladora do seu processo. Esta disciplina tem como objeto os esboços,manuscritos, maquetes, negativos de fotografias, obras inacabadas, etc, que dão acesso aos percursos e opções do artista ao longo de sua produção. Neste artigo com base nos princípios trazidos pela Crítica Genética, proponho ampliar a noção de ateliê, no sentido de que, como porção significada do espaço pelas produções, experimentações e investigações que o artista realiza, mais do que pelasdelimitações concretas de um local, ele traduz as concepções de espaço que o artista traz por conta dos princípios traçados pela realização da obra. Os lugares que o artista cria e aqueles de que se apropria – noção que define o ateliê – são formas de assinatura, ou seja, produtos de suas ações, subjetivações e inventividade. Sobre o ateliê Ao longo da história da arte, os ateliês tiveram os aspectos esignificados dos mais variados. A oficina do artista, no princípio do Renascimento2, é dominada pelo espírito comuna, moldado pela produção coletiva : havia a figura do mestre que coordenava a produção e assegurava a qualidade e acabamento das obras, sem, no entanto ter a preocupação de assiná-las, pois a sua valoração vinha do exercício e domínio da técnica e não da expressão de uma personalidade. Apretensão de independência para construir todo o trabalho, o que significa a definição de um espaço de produção com dimensão identitária, aparece pela primeira vez com Michelangelo, no momento em que decide tomar para si a tarefa de realizar sozinho uma
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Artista plásticas, web designer. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Pesquisadora do Centro de Estudos em Crítica Genética.Professora do curso de Design Digital na Universidade Anhembi Morumbi nos cursos de graduação e de pós-graduação. 2 Período que, segundo Hauser (1994), corresponde às primeiras décadas do século XV.

pintura, abrindo mão dos ajudantes. Hauser (1996 p. 413) diz que Michelangelo é o primeiro artista moderno, pois é aquele que revela “um profundo sentido de responsabilidades para com os seus dons econsidera o seu gênio artístico uma força poderosa super-humana”. A conduta de apartar-se do contexto para poder produzir foi repetida por Van Gogh, quando escolheu sair de Paris e fixar seu ateliê em Arles, por considerar que “seu elevado conceito moral do que significava ser artista não lhe permitia tolerar por muito tempo a boemia e alegria dos colegas” (CHIPP, 1996, p. 231). Neste caso,constatamos que o ateliê aparece como o lugar onde o artista guarda e cultua sua subjetividade, uma porção do espaço significada não apenas pelas realizações técnicas, mas também pelas buscas estéticas. Ao longo da história da arte, vemos que os ateliês coletivos nunca deixaram de existir - é uma característica do artista contemporâneo contar com a atuação de outros profissionais para produzir sua obra...