Freud Entre A Esperança E A Resignação

Freud entre a esperança e a resignação
-notas sobre o mal-estar da modernidade

Freud e Marx são ambos herdeiros e críticos do Esclarecimento, na medida em que buscam determinar quais seriam os caminhos e os obstáculos à realização da autonomia dos homens na modernidade. Ocorreu-nos por isso de investigar a razão pela qual Freud considera a solução comunista ao problema do mal-estar modernoum idealismo, de cuja critica dependeria a consolidação de amadurecimento do homem1.
Segundo Freud, há uma ilusão comunista sobre a natureza humana que nos impede de investigar radicalmente as possibilidades de estabelecimento da paz e superação dos nossos impulsos destrutivos contra a cultura. A suposição de que a abolição da propriedade privada é condição da emancipação humana residiriapressuposto psicológico inconsistente: a crença em um homem sumamente bom, cuja natureza se haveria corrompido devido à separação entre proprietários de bens privados e despossuídos, que teria permitido a uma minoria o poder e possibilidade de agredir os demais. Diante do que o homem só poderia se revoltar, tornando-se então agressivo e hostil à cultura existente (Le Malaise dans la Culture, p. 299)2. Sequisermos compreender o que determina a ilusão comunista devemos estudar aquilo mesmo que ela dissimularia: a origem da revolta contra a cultura ou se é possível esta sem aquela. Horda primitiva darviniana: local do “grande evento”: um pai tirânico que guarda para si todas as fêmeas da horda, caça seus filhos e os submete ao celibato, monopoliza o prazer e o poder. Um dia, estes irmãos se reúnem,matam o pai e o comem. É o fim da horda paterna. Do parricídio que a extinguiu nasceu a cultura (Totem et Tabou, p. 195-196).
Ao contrário do que os irmãos podiam esperar, o parricídio não permitiu alcançar a plena satisfação e tomar o lugar do pai onipotente, como cada um desejava secretamente. A frustração destes desejos primitivos favoreceu a uma reação afetiva comum que consolidou os vínculosfraternos, a saber: o sentimento de culpabilidade confuso ao remorso. Ora, a culpabilidade não poderia advir se à figura paterna os filhos ligassem apenas afetos hostis, esta reação só foi possível porque os filhos também admiravam e amavam seu pai, ou seja, foi condicionada pelo que Freud chamou de ambivalência afetiva em relação ao pai (Idem, p.197). A fim de sufocar este sentimento deculpabilidade e obter a reconciliação com o pai ofendido os irmãos criam as primeiras instituições da cultura humana, formando o sistema totêmico, que estabelece um contrato com o pai, através do qual este promete tudo o que espera a imaginação infantil (proteção, favores) em troca do respeito pela sua vida (substituída pela do animal totêmico) e de suas posses (em especial, das mulheres da horda – tabudo incesto) (Id. p. 199-200). O tabu é seguido obsessivamente pelos membros do clã, graças a uma angústia irresistível que os constrange diante dos tentadores frutos do crime –a renúncia individual é a marca maior da cultura.
Mas é apenas durante o ritual do banquete totêmico que se revela a verdade do totemismo. É quando o tabu do animal totêmico é suspenso e todos os membros do clã o comem,choram sua morte, o crime e, em seguida, os festejam. O que se revela é a conservação da ambivalência afetiva para com o pai, pois se trata de um ritual expiatório que ao mesmo tempo lembra a revolta filial e o triunfo sobre o pai; ritual que conjuga angústia e gozo, onde um trai o outro3. As forças conflituosas que estas primeiras instituições plasmaram jamais abandonarão à cultura. As váriasmodificações que esta sofre em seu desenvolvimento tentarão sempre calar uma tendência subterrânea que protesta à cultura o que ela impõe aos indivíduos em termos de sacrifício. A própria história do indivíduo, veremos, repete esta história. Os dois primeiros tabus da cultura correspondem aos dois crimes de Édipo que, por sua vez, correspondem aos dois desejos fundamentais da criança.
Falamos da...