Literatura

PÓS-COLONIALISMO NO CONTO O APOCALIPSE PRIVADO DO TIO GEGÊ, DE MIA COUTO.

Alessandra Maria Magalhães*
Denise Layana Pinheiro Nascimento**

RESUMO: Este artigo apresenta o conto O Apocalipse Privado do Tio Gegê sob uma perspectiva pós-colonial. Como vítimas de uma colonização devastadora os africanos sofreram grandes alterações em seus costumes e valores. A relação colonizador/colonizadoocorreu de forma dificultosa, já que o colonialista tinha como principal intuito favorecer-se financeiramente dos colonizados, e para isso os subjugava. O dominador acreditava-se superior ao dominado, portanto a desculpa para toda essa relação conturbada era estar transmitindo uma cultura maior, mais civilizada. Ou seja, o dominado colocava-se na posição de “bom” por estar provendo uma culturacivilizada a um povo selvagem. Toda essa imposição cultural é refletida na literatura moçambicana, em especial na obra Cada homem é uma raça, de Mia Couto. No conto O Apocalipse Privado do Tio Gegê características como alienação, falta de identidade, entre outras, são retratadas com maestria, fornecendo uma visão geral da nação moçambicana resultante do processo de colonização conturbado.PALAVRAS-CHAVE: Pós-colonial, dominação, cultura.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Neste artigo apresentaremos o conto O apocalipse privado do tio Gegê, que está inserido no livro Cada homem é uma raça de Mia Couto, sob uma perspectiva pós-colonial, pois diversas características como alienação, morte, falta de identidade, entre outras, são encontradas na obra, mostrando, portanto, como uma colonizaçãoconturbada tem efeitos incisivos na personalidade e características gerais de um povo.
Na primeira parte apresentaremos o enredo do conto, assim como temas pós-coloniais encontrados em outros contos do livro Cada homem é uma raça, como a opressão, o desprezo pelo diferente e a objetificação de personagens que representam de forma alegórica o povo moçambicano. Um exemplo é o embodeiro, encontrado noconto O embodeiro que sonhava pássaros, que foi menosprezado por ser negro e viver dentro do tronco de uma árvore, cuidando de pássaros.
Dando seguimento, abordaremos detalhadamente as principais questões pós-coloniais no conto O Apocalipse Privado do tio Gegê. Discutiremos sobre a aparente superioridade do colonizador perante o colonizado, e como esse fato revela a falsa interpretação dotermo cultura, como se a mesma pudesse ser classificada em superior ou inferior devido à “níveis” diversos de civilidade. Algumas das temáticas sobre as quais discorreremos são: a morte, a orfandade, a alienação, a guerra, a fome e a miséria, que se traduzem em uma busca pela identidade do povo moçambicano após a Independência e a Guerra Civil.

ACERCA DO CONTO

O conto O apocalipse privado dotio Gegê é um dos onze contos que compõem o livro Cada homem é uma raça escrito por Mia Couto em 1990. A obra está carregada de simbologia e mitos para tentar mostrar, como sugere o título, que cada homem é um ser distinto dos demais por determinados traços que ao mesmo tempo o caracterizam como único e ao mesmo tempo pode representar um povo ou toda uma raça.
Para ilustrar o que tentamosdizer, tomamos como exemplo alguns dos personagens apresentados nos contos, como o “embodeiro” do conto O embodeiro que sonhava pássaros. O personagem representa a opressão e a falta de compreensão para com aquele que é “diferente”, passando assim a não ser aceito pelos demais, que inclusive questionam se ele realmente é humano como as outras pessoas. O embodeiro vendia pássaros e ao que tudo pareceera negro e despertava o ódio e o descontentamento do restante dos moradores da localidade onde vivia por passar pelas ruas cantando, sujo e maltrapilho, morando numa árvore com os pássaros que tanto gostava.
Destacamos aqui que a opressão marginalizava o personagem em sua própria pátria, pois os brancos que o repeliam é que eram os estrangeiros responsáveis por aculturar seu povo. Algo...