Literatura
BODAS DE SANGUE
de
F. Garcia Lorca
TRAD: ANTONIO MERCADO
2
QUADRO I
Casa pintada de amarelo
NOIVO (entrando) – Mãe.
MÃE
–
Que é?
NOIVO
–
Já vou.
MÃE
–
Aonde?
NOIVO
–
Para a vinha. (Vai sair.)
MÃE
–
Espere.
NOIVO
–
Quer alguma coisa?
MÃE
–
Filho, o almoço.
NOIVO
–
Deixa. Vou comer uvas. Me dá a navalha.MÃE
–
Para quê?
NOIVO (rindo) –
Para cortar as uvas.
MÃE (entre dentes e procurando-a) A navalha, a navalha... Malditas sejam todas
as navalhas, e o canalha que as inventou.
NOIVO
–
Vamos mudar de assunto.
MÃE
–
Não sei como você se atreve a levar uma navalha no corpo, nem
sei como ainda deixo essa serpente dentro do baú.
NOIVO
–
Ora!
MÃE
–
Como épossível que uma coisa tão pequena como uma pistola ou
uma navalha possa dar cabo de um homem? Um homem bonito,
com sua flor na boca, que vai para as vinhas ou para os olivais que
tem, porque são dele, herdados...
NOIVO (baixando a cabeça) Chega, mãe.
MÃE
–
... e esse homem não volta.
NOIVO (forte) –
Vamos parar?
MÃE
–
Não. Não vamos parar. Alguém pode me trazer seu paide volta? E
seu irmão? Dois homens que eram dois gerânios... sem fala,
viraram pó. E os assassinos, no presídio, folgados, olhando a
paisagem...
NOIVO
–
Já não chega?
MÃE
–
Não vou me calar nunca. Os meses passam e o desespero me
perfura os olhos e pica até nas pontas do cabelo.
NOIVO
–
E o que você quer, que eu os mate?
MÃE
–
Não.. Eu falo só porque... Éque não gosto que você leve a
navalha. É que... que não queria que você saísse para o campo.
NOIVO (rindo) –
Ora!
3
MÃE
–
Como eu gostaria que você fosse mulher! Agora, nós duas
ficaríamos aqui bordando cortinas e cachorrinhos de lã.
NOIVO (pega a MÃE pelo braço e ri) – Mãe, e se eu levasse você comigo para as
vinhas?
MÃE
–
Que é que uma velha vai fazer nas vinhas?NOIVO (levantando-a nos braços) Velha, revelha, requitivelha!
MÃE
–
Seu pai, sim, é que me levava. Boa casta. Sangue. Seu avô deixou
um filho em cada esquina. Assim é que eu gosto. Os homens,
homens; o trigo, trigo.
NOIVO
–
E eu, mãe?
MÃE
–
Você, o quê?
NOIVO
–
Preciso dizer tudo de novo!
MÃE (séria)
–
Ah!
NOIVO
–
Você acha ruim?
MÃE
–Não.
NOIVO
–
E então?...
MÃE
–
Nem eu mesma sei. Assim, de repente, me assusta. Eu sei que a
moça é boa. Não é mesmo? Comportada. Trabalhadeira. Amassa
seu pão, costura os vestidos, e mesmo assim, quando falo nela, é
como se me dessem uma pedrada na testa.
NOIVO
–
Bobagem.
MÃE
–
Bobagem, mesmo. É que eu vou ficar só. Agora já não tenho mais
ninguém, só você,e me dói que vá embora.
NOIVO
–
Mas você vem conosco.
MÃE
–
Não. Não posso deixar seu pai e seu irmão aqui, sozinhos. Tenho
que ir lá todas as manhãs, e se eu for embora pode ser que morra
um dos Félix, um da família dos assassinos, e seja enterrado junto
deles. E isso nunca! Não! Isso nunca! Porque eu o desenterro com
as minhas próprias unhas, sozinha, e esmago na parede.NOIVO (forte) Já começou de novo.
MÃE
–
Desculpe. (Pausa.) Faz quanto tempo, esse namoro?
NOIVO
–
Três anos.
MÃE
–
Três anos…
NOIVO
–
Até que enfim, consegui comprar a vinha.
MÃE
–
Ela teve um noivo antes, não teve?
NOIVO
–
Não sei. Acho que não. As moças têm que saber com quem se
casam, olhar bem.
MÃE
–
Eu não olhei para ninguém.Olhei para seu pai, e quando o
mataram olhei para a parede em frente. Cada mulher com seu
homem, e pronto!
4
NOIVO
–
Você sabe que minha noiva é séria.
MÃE
–
Não duvido. Mesmo assim, sinto não saber como foi a mãe dela.
NOIVO
–
Para quê?
MÃE (olhando-o)
– Filho.
NOIVO
–
Que é?
MÃE
–
Você tem razão! Quando quer que eu vá pedir a moça?
NOIVO...
Regístrate para leer el documento completo.