Löic Wacquant
Número 22 - 2009
Löic Wacquant e o Pensamento Crítico sobre as Desigualdades Sociais
Márcia Nogueira da Silva1
Quais os limites e possibilidades do pensamento crítico na contemporaneidade? Que estratégias podem ser ensejadas para se construir uma contra-hegemonia que elida os fundamentos da “doxa”2? Como o pensamento crítico pode contribuir para o questionamento da guerracontra os pobres, imposta pela programática neoliberal? De que forma a apropriação das particularidades nacionais pode cotizar-se à construção do conhecimento crítico e comprometido com a transformação da realidade social? Essas são algumas das muitas questões enfrentadas com ousadia por Löic Wacquant, no livro “As duas faces do gueto”, publicado no Brasil, pela editora Boitempo, no ano de 2008.O livro é uma coletânea de artigos produzidos pelo autor, entre os anos de 1992 e 2004, e está dividido em nove capítulos. No que se refere ao seu teor, apresenta um claro esforço, no sentido de se deslindar o ‘mito das “cités-guetos” francesas’. Nesse ensejo, o autor adverte que uma sub-reptícia introdução e a difusão descontrolada do imaginário e de terminologias norte-americanas de segregaçãoracial impediram um diagnóstico preciso das relações em rápida evolução entre classe, lugar e pobreza, nas cidades francesas (WACQUANT, 2008: 9-10). A partir da tentativa de arrostar o mito supramencionado, Wacquant penetra no debate teórico com argumentos que, seguramente, colaboram para indicar a existência de um simulacro que prevê, dentre outros elementos, uma falsa identidade entre a realidadedos guetos norte-americanos e a das cidades francesas, o que encoberta a “realidade da destruição politicamente patrocinada da classe trabalhadora tradicional e de seus territórios estabelecidos” (ibidem: 10)..................................................................................................................................................................................................... 1 Assistente social do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2 Doxa, palavra derivada do termo grego doxe, significa opinião, e se refere ao conjunto de certos aspectos e valores que são aceitoscomo naturais em dada sociedade, ao senso comum. (Wacquant, 2008:133).
Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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REVISTA Em Pauta
Número 22 - 2009
É a partir desse ponto que o sociólogo francês Löic Wacquant - professor da Universidade da Califórnia (Berkeley) e reconhecido na comunidade acadêmica como discípulo de Pierre Bordieu - avançano sentido da construção de uma reflexão densa, que traz importantes subsídios para o pensamento crítico. A primeira grande contribuição, que se dá entre o primeiro e o quinto capítulos, é o tentame de superar o uso meramente descritivo do termo “gueto”. Para tal, o autor realiza um resgate histórico daquele, indicando as relações que ensejam sua existência enquanto fenômeno multiplamentedeterminado, e advertindo como a experiência norte-americana, ao contrário da francesa, demonstra a presença duradoura dos guetos, presença esta que dá forma definitiva ao processo de desenvolvimento das metrópoles, das políticas e, até mesmo, da cultura dos Estados Unidos (idem). É importante sublinhar, também, que, para Wacquant, é impossível elidir a dimensão etnorracial que compõe a estrutura dogueto norte-americano, o que, via de regra, pode impedir a aleivosa identificação entre gueto e pobreza, bem como a confusão entre encapsulação etnorracial e desemprego agudo e seus doridos efeitos colaterais (ibidem: 11). Assim, para o autor, o gueto negro norte-americano é uma forma institucional, por meio da qual os brancos dominantes mantiveram a população negra isolada e subjugada, forçando-a a...
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