Manuel Da Fonseca.

Páginas: 8 (1779 palabras) Publicado: 26 de junio de 2012
O LARGO
Manuel da Fonseca

Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramaria farfalha num suave gemido; o pó redemoinha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila.
O comboio matou o Largo. Sob o rodado de ferro morreram homensque eu supunha eternos. O senhor Palma Branco, alto, seco, rodeado de respeito; os três irmãos Montenegro, espadaúdos e graves; Badina, fraco e repontão; o Estroina, bêbado, trocando as pernas, de navalha em punho; o Má Raça, rangendo os dentes, sempre enraivecido contra tudo e todos. O lavrador de Alba Grande, plantado ao meio do Largo com a sua serena valentia; mestre Sobral, Ui Cotovio, rufião,de caracol sobre a testa. O Acácio, o bebedola do Acácio, tirando retratos, curvado debaixo do grande pano preto. E, lá ao cimo da rua, esgalgado, um homem que eu nunca soube quem era, e que aparecia subitamente à esquina olhando cheio de espanto para o Largo.
Nesse tempo, as faias agitavam-se, viçosas. Acenavam rudemente os braços e eram parte de todos os grandes acontecimentos. À suasombra, os palhaços faziam habilidades e dançavam ursos selvagens. À sua sombra batiam-se os valentes: junto de um tronco de uma faia caiu morto António Valmorim, temido pelos homens e amado pelas mulheres.
Era o centro da Vila. Os viajantes apeavam-se da diligência e contavam novidades. Era através do Largo que o povo comunicava com o mundo. Também, à falta de notícias, era aí que se inventavaalguma coisa que se parecesse com a verdade. O tempo passava, e essa qualquer coisa inventada vinha a ser a verdade. Nada a destruía: tinha vindo do Largo. Assim, o Largo era o centro do mundo.
Quem lá dominasse, dominava toda a Vila. Os mais inteligentes e sabedores desciam ao Largo e daí instruíam a Vila. Os valentes erguiam-se no meio do Largo e desafiavam a Vila, dobravam-na à suavontade. Os bêbados riam-se da Vila, cambaleando, estavam-se nas tintas para todo o mundo, quem quisesse que se ralasse, queriam lá saber - cambaleavam e caíam de borco. Caíam ansiados de tristeza no pó branco o Largo. Era o lugar onde os homens se sentiam grandes em tudo o que a vida dava, quer fosse a valentia ou a inteligência ou a tristeza.

Os senhores da Vila desciam ao Largo e falavamde igual para igual, com os mestres alvanéis, os mestres ferreiros. E até com os donos do comércio, com os camponeses, com os empregados da Câmara. Até, e igual para igual, com os malteses[1], os misteriosos e arrogantes vagabundos. Era aí o lugar dos homens, sem distinção de classes. Desses homens antigos que nunca se descobriam diante de ninguém e apenas tiravam o chapéu para deitar-se. Tambémera lá a melhor escola das crianças. Aí aprendiam a ser valentes, ou bêbados, ou vagabundos. Aprendiam qualquer coisa e tudo era vida. O Largo estava cheio de vida, de valentias, de tragédias. Estava cheio de grandes rasgos de inteligência. E era certo que a criança que aprendesse tudo isto vinha a ser poeta, e entristecia por não ficar sempre criança a aprender a vida - a grande e misteriosa vidado Largo.
A casa era para as mulheres. No fundo das casas, escondidas da rua, elas penteavam as tranças, compridas como caudas de cavalos; trabalhavam na sombra dos quintais, sob as parreiras; faziam a comida e as camas -viviam apenas para os homens. E esperavam-nos, submissas.
Não podiam sair sozinhas à rua porque eram mulheres. Um homem da família acompanhava-as sempre. Iam visitaras amigas, e os homens deixavam-nas à porta e entravam numa loja que ficasse perto, à espera que saíssem para as levarem para casa. Iam à missa, e os homens não passavam do adro. Eles não entravam em casas onde fossem obrigados a tirar o chapéu. Eram homens que, de qualquer modo, dominavam o Largo.
Veio o comboio e mudou a Vila. As lojas encheram-se de utensílios, que, antes, apenas se...
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