Memórias De Pesquisa

Páginas: 29 (7024 palabras) Publicado: 18 de julio de 2012
Imaginário - usp, 2007, vol. 13, n o 14, 439-459

Memórias de Pesquisa: a experiência de uma psicóloga no interior de uma prisão feminina
Rosalice Lopes*

Como psicóloga e pesquisadora de questões relacionadas às prisões há 22 anos considero um grande desafio tentar organizar algumas poucas reflexões que possam levar o leitor a se interessar e conhecer aquilo que muitos agentes de segurançapenitenciária descrevem como “o outro mundo das prisões”. É impossível negar – quer na condição de interno quer de trabalhador – os múltiplos efeitos que as prisões produzem às subjetividades que lá se encontram na condição de “encarcerados”. Como tantos que lá estiveram durante algum tempo, pude viver e sentir mudanças na forma de “ver” e “pensar” as prisões. Muito ainda existe para serconhecido, mas deixo aqui registradas algumas de minhas considerações. Não vou, nestas poucas páginas, desgastar o leitor apresentando idéias sobre a natureza e a função social das prisões. Autores, como Goffman (1965, 1971), Foucault (1977, 1984, 1996), Rocha (1994) e Salla (1999), apresentaram visões contundentes sobre o poder que essas instituições têm de restringir a experiência humana a um mínimoquase insuportável promovendo um trágico fim àqueles que se revoltam ou enlouquecem. Embora seja necessário admitir que, em se tratando de seus mecanismos disciplinadores e de sua visão focada sobremaneira na segurança, as prisões produzem em seus internos – quer sejam

* Centro Universitário de Santo André - UNIA.

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Lopes, R. Memórias dePesq.: a exp. de uma psicóloga no interior de uma prisão feminina

homens quer mulheres – efeitos e sentimentos análogos, minha proposta neste espaço é apresentar a descrição de uma unidade prisional feminina. Pretendo, em primeiro lugar, produzir reflexões na direção do que afirmam pesquisadoras das áreas jurídica e sociológica, na América do Sul e do Norte, além da Europa, as quais evidenciam odescaso na consideração das diferentes necessidades das mulheres presas e denunciam a condição de “invisibilidade” em que elas se encontram no âmbito das políticas públicas voltadas ao setor (FERNANDÉZ, 1995, GRAZIOSI, 1999, PARENT,1986, SMAUS, 1999). Em segundo lugar, pretendo levar o leitor a buscar um maior esclarecimento sobre as diferentes concepções sobre a imputabilidade de homens emulheres, as quais decorreram de concepções distintas sobre o sexo e gênero e acabaram por se refletir tanto na forma como as penas foram aplicadas às mulheres acusadas quanto nas condições oferecidas para que elas, efetivamente, cumprissem suas penas (LAQUEUR, 2001, ROSALDO; LAMPHERE, 1979, SAFFIOTI, 1992, 1994). A história do encarceramento de mulheres no Brasil conta com poucos registros. Todavia,naqueles disponíveis fica evidente que o sentido da pena tem reproduzido, historicamente, a mesma orientação de outros países, ou seja, o encarceramento de pobres e a reprodução do domínio masculino (BIERRENBACH, 1998, GRAZIOSI, 1999, ARÚS, 1995, SALLA, 1999). Em nosso país inexistem presídios construídos especialmente para mulheres1 e muitos dos que elas ocupam surgiram após adaptações feitas emprédios destinados a outros fins. As prisões femininas – embora diferentes, em sua dinâmica, das prisões masculinas – foram idealizadas como “prisões de homens” e seguem, em muitos sentidos, o espírito das prisões masculinas. Não existir um presídio “pensado” para mulheres talvez reflita a obscura concepção de que as mulheres criminosas são mais inferiores que os já inferiorizados homens quecometeram crimes.

1 Segundo informações da Secretaria da Administração Penitenciária - SAP, os Centros de Ressocialização Femininos teriam uma proposta distinta no que se refere às mulheres, mas até o momento da redação deste texto não tive oportunidade de visitálos. Porém, de outro lado, informações de funcionários do sistema prisional dão notícia de que as mulheres presas da Capital de São Paulo...
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