Nada
Claude Raffestin
Crítica da geografia política clássica
I - Nascimento da geografia política
Paradoxalmente, quanto mais jovens as ciências do homem, mais tentadas elas são a estabelecer
sua genealogia. Ninguém espera uma exposição histórica no início de um trabalho de física. Em
contrapartida, em se tratando de sociologia, de ciência política ou geografia, asreferências a uma
filiação não causam estranheza. Os historiadores das ciências do homem se permitem esforços muitas
vezes consideráveis para buscar no passado as origens dessas disciplinas. Por muito tempo, todos
esses discursos históricos tiveram por objetivo antes mostrar a existência de uma continuidade que
fundamentar a identificação de "momentos" epis-temológicos. A geografia políticanão escapou dessa
tradição e descobriu, de Heródoto a Ratzel, uma infinidade de ancestrais, tais como Platão, Aristóteles,
Botero, Bodin, Vauban, Montesquieu, Turgot etc., para só citar alguns que, por uma razão ou por outra,
foram chamados a testemunhar a antiguidade do projeto político em geografia.
Não se trata aqui, em absoluto, de desvalorizar esse género de pesquisa erudita indispensável àcompreensão de uma génese, mas nos parece ainda mais significativo, ao menos para o nosso
propósito, destacar os "momentos mais densos" da epistemologia geográfica. Não abriremos um
debate para saber se uma epistemologia da geografia é possível, e no entanto seria necessário fazê-lo, na
medida em que muitos epistemólogos, a partir de Piaget, não reconhecem um estatuto epistemológico
para ageografia. É particularmente revelador que Piaget não considere a geografia humana uma ciência
"nomotética". O que surpreende ainda mais porque a geografia, da mesma forma que a economia ou a
demografia, por exemplo, com menos sorte talvez, procura descobrir "leis". Seja como for, postulamos
a existência de uma possível epis-temologia da geografia, em razão de sua própria busca de "leis",quantitativas ou não.
Somos encorajados nesse caminho pela geografia política, ela própria fundada de fato, em toda a
sua amplitude, por Ratzel, em 1897. Todo o projeto ratzeliano é sustentado por uma concepção
*
. Capítulos relevantes do livro.
nomotética, e pouco importa, nesta fase da análise, saber se ela-foi ou não bem-sucedida. A obra de
Ratzel é um "momento epistemológico", quer setrate de sua Antropogeografia ou de sua Geografia
política.
Ratzel está num ponto de convergência entre uma corrente de pensamento naturalista e uma
corrente de pensamento sociológica que a análise atenta de suas fontes revelaria. Ainda que isso seja
difícil, pois Ratzel, excetuando-se algumas notas e observações, quase não nos fornece referências.
Contudo, no decorrer de sua obra érelativamente fácil descobrir aquilo que buscou nas ciências naturais,
na etnografia, na sociologia, e sobretudo na história. Sem dúvida, Ratzel foi influenciado por
historiadores como Cur-tius e Mommsen, por geógrafos como Ritter e Reclus, mas igualmente por um
homem como Spencer, que o fez descobrir a lei do desenvolvimento, mais tarde retomada por Darwin.
Foi também influenciado pelo rigor quasematemático de um Clausewitz. O quadro conceituai de Ratzel é
muito amplo e tão naturalista quanto sociológico, mas seria erróneo condená-lo por ter "naturalizado"
a geografia política, algo que às vezes ocorreu... O próprio Ratzel recuou e reconheceu que a
comparação do Estado com organismos altamente desenvolvidos não era produtiva. Insistindo no Estado,
na circulação e na guerra, ele revelapreocupações e sobretudo uma perspectiva sociopolítica que pouco
se satisfariam com uma simples demarcação dos métodos puramente biológicos.
Pode-se considerar a segunda edição a obra-mestra que não somente orientou e influenciou a
escola alemã, mas também, de diferentes maneiras, todas as outras escolas da geografia. Não queremos
dizer que os autores que seguiram Ratzel sejam seus epígonos, mas...
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