Passeando até o cemitério dos prazeres
Jean Cláudio Faria
Passeando até o Cemitério dos Prazeres
- Uma análise necrófila de José Matias -
Letras Bacharelado Noturno
Literatura Portuguesa II
Professor: Marcos Freitas
UFMG
Faculdade de Letras
2001
Passeando até o Cemitério dos Prazeres
- Uma análise necrófila de José Matias -
Jean Cláudio Faria
06/06/2001Antes de qualquer consideração a respeito de José Matias, é preciso que algo fique bem claro pois, se partirmos do oposto desta afirmação, não chegaremos a lugar algum, e nosso passeio até o Cemitério dos Prazeres terminará no meio do caminho, muito antes do Ensaio dos Fenômenos Afetivos1: o narrador de José Matias não é Eça de Queiros – apesar de encontrarmos no conto sua crítica-irônicacaracterística – assim como o amigo que o acompanha durante todo o trajeto do enterro, transportado do mundo real para o ficcional e cuja voz apenas o narrador pode ouvir, não sou eu, não é você, não somos nós. São espécies de projetos, modelos de papel. Mas, o que dizer quando, subitamente, vemos em meio às palavras do narrador o autor em pessoa, um intruso no texto? Em certo momento da narrativa,relembrando outros enterros, o narrador diz ao seu amigo de caminhada: “(...) aquele brilhante Nicolau da Barca, que já conduzi também a este cemitério, onde agora jazem, debaixo de lápides, todos aqueles camaradas com quem levantei castelos nas nuvens...”. Não estaria aí uma referência aos Vencidos da Vida?
A discussão a respeito da distinção entre autor e narrador, e também do papel do leitor naobra ficcional, é assunto profundamente analisado e discutido desde os primórdios da literatura e, com certeza, não está perto do fim. Contudo, o pouco conhecimento que tenho da crítica a respeito impede-me de trazer à baila uma relação infinita de autores que já se debruçaram sobre o tema. Mas não posso deixar de citar aqui ao menos o básico – que já é muito: Umberto Eco e seus Seis Passeios PeloBosque da Ficção2. Em certa altura, ele diz: “não tenho o menor interesse pelo autor empírico de um texto narrativo...”3 – entendendo-se empírico, aqui, como o autor propriamente dito – e não é difícil compreendermos o porquê desta afirmação. Posto que literatura é ficção – e continuará assim sendo mesmo em relatos autobiográficos cuja realidade retratada não passa de um determinado ângulo devisão que parte justamente do biografado e é, portanto, contaminado por seus próprios ideais e idéias – personagens de papel ou, melhor dizendo, idéias não podem ceder seu espaço de modo que ele se divida com um ser de carne e osso, perfeito humano, que é o autor. Ao autor que se constitui somente dentro da realidade textual Eco dá o nome de autor-modelo, que tem como contraparte o leitor-modelo, quetampouco é de carne e osso, mas de papel. O leitor empírico – eu, eles ou você, afastados do universo ficcional – ao ler a obra, deve, a partir dos dados que extrai da construção textual, formular uma hipótese de autor-modelo e, da mesma forma, o autor empírico, quando da constituição da obra, deve formular uma hipótese de leitor-modelo a fim de materializá-la no corpo do texto. Fácil. Não?
Oh!É assim que termina o conto, numa dúvida cruel que nem mesmo Platão, o divino, saberia dar-lhe significação. Seria “o grito da alma, no assombro e horror de morrer também? Ou era a alma triunfando por se reconhecer enfim imortal e livre?”. Quem pergunta? Aparentemente seria o narrador, mas a questão é colocado de tal forma que subitamente nos vermos – nós, enquanto leitores-modelo – fazendo talpergunta. O caminho até o Cemitério dos Prazeres, embora relativamente curto, nos conduzirá por uma viagem repleta de questões peseudo-universais não apenas através da ininteligível personalidade de José Matias como, também, através das idéias de um filósofo que balizou todo o seu pensamento nesta mesma personalidade.
Deixemos aqui uma questão desmembrada para ser esclarecida apenas ao final do...
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