Tl Boff
Leonardo Boff
Teólogo e membro da Comissão da Carta da Terra
Vivemos no olho de uma crise civilizacional de proporções planetárias. Toda crise oferece a chance de transformação bem como o risco de um fracasso desolador. Na crise medo e esperança se mesclam. Para reforçar a esperança nascem as utopias. Por sua natureza, as utopias nunca vãose realizar totalmente. Mas elas nos mantém no caminho. São como as estrelas. Nunca as alcançaremos. Mas elas encantam a noite e orientam os navegantes. Bem disse um poeta desta cidade de Porto Alegre, Mário Quintana:
Se as coisas são inatingíveis, ora!
Não é motivo para não querê-las.
Que tristes os caminhos e se não fora
A mágica presença dasestrelas.
No contexto da crise atual vejo surgir duas utopias que são conaturais à teologia da libertação: utopia da salvaguarda da Casa Comum,o planeta Terra e a utopia da conservação da unidade da família humana. Consideremos a primeira.
1. A utopia da salvaguarda da Casa Comum
A teologia da libertação nasceu ouvindo o grito do oprimido. Seu mérito foi ter dado centralidade aoempobrecido, fazendo-o sujeito de sua história e o lugar a partir do qual se entende melhor a natureza de Deus como o Deus da vida, a missão de Jesus, como promotor de vida em abundância e a natureza da Igreja como sacramento, vale dizer, instrumento e sinal de libertação integral.
Mas não só os pobres gritam. Gritam as águas, gritam as florestas, gritam os animais, gritam os ecosistemas, grita aTerra. Todos esses também são vítimas da mesma lógica que cria os empobrecidos. Por isso a Terra e a natureza são exploradas e devastadas. Na opção preferencial pelos pobres contra a pobreza e pela libertação marca registrada da teologia da libertação - cabe o Grande Pobre que é a Terra, a única Casa Comum que temos para morar. Uma teologia da libertação somente será integral se incorporar em suareflexão e em sua prática a libertação da Terra como sistema de sistemas, como super-organismo vivo da qual nós somos filhos e filhas junto com os demais organismos vivos, nossos irmãos e irmãs, também produzidos e alimentados pela Mãe Terra.
Assim como o encontro com o pobre permitiu uma experiência espiritual originária, base de uma prática e de uma reflexão libertadora, da mesma forma agora,o encontro com a questão ecológica propicia uma nova experiência do Sagrado e do Spiritus Creator agindo em sua criação animando práticas alternativas no relacinamento com a natureza e em nosso estilo de vida. Desta experiência e desta prática se projeta a utopia de salvaguarda da Terra.
Essa utopia possui o caráter de urgência porque a nossa civiliazação construiu o princípio daauto-destruição. Por vinte cinco formas diferentes se pode destruir o projeto planetário humano e ferir profundamente a biosfera. Já há quarenta mil anos, bem antes do neolítico (há dez mil anos), começou um assalto sistemático à biosfera, porque foram desenvolvidos instrumentos que tornaram bem sucedida a dominação da natureza. Em poucos milhares de anos, os caçadores extinguiram os mamutes, aspreguiças-gigantes e outros mamíferos pré-históricos.
Nos dias atuais, este processo se agravou assustadoramente. Existe uma taxa de extinção de fundo que é norma no processo de evolução, cerca de trezentas espécies por ano. Mas hoje uma espécie a cada 13 minutos desaparece definitivamente devido à voracidade produtivista e consumista dos seres humanos. Este cenário dramático fez o grande historidor ArnoldToynbee(+1975) escrever em seu ensaio autobiográfico Experiências (1969):"Vivi para ver o fim da história tornar-se uma possibilidde intra histórica capaz de ser realizada não por Deus mas pelo ser humano". Não outra coisa pensava o conhecido cosmólogo Carl Sagan, pouco antes de morrer há 4 anos: as forças diretivas da natureza e do universo já não garantem mais o futuro da Terra. Esta agora...
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