A Cura Da Psicanálise.

A Cura da psicanálise.
Jorge Sesarino
Vivemos um episódio suplementar de normalização do corpo e da mente, onde o furor sanandi é norma. A clínica da cura é aquela da vida cotidiana onde o mestre pode se encarnar sob as mais diversas modalidades. Busca-se busca cura para tudo, pede-se cura para tudo, oferece-se cura para tudo. Vivemos sob o imperativo de curar tudo e todos de todo e qualquersofrimento e, portanto, curar do envelhecimento, da morte e até do inconsciente.
Dentro deste contexto de oferta e demanda de cura, a quem é conservado o direito de imaginar e de pensar? De um lado interroga-se, reivindica-se e exige-se a eficácia da cura psicanalítica; de outro, a resposta da psicanálise (ou psicanálises?) em termos de desejo, de liberdade, de subjetivação não é aceita nementendida. De um lado os psicofármacos são apresentados como a melhor solução para os conflitos psíquicos; de outro, a palavra do paciente na sua associação livre e a palavra do analista na sua interpretação constituem um valor inestimável. Ainda assim, alguns psicanalistas seduzidos pelos avanços e propósitos da biologia molecular, da neurobiologia e da psicofarmacologia se afastam da psicanálise. Comofalar de cura em psicanálise? Ou das curas das psicanálises?
A psicanálise é uma experiência de linguagem e de discurso; daí a definição como ciência do inconsciente numa frase de Lacan: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. É da linguagem que vem a palavra que diz daquele que fala, pois o ser humano habita a linguagem. A psicanálise é um discurso que confronta o sujeito com os seusconflitos psíquicos e interroga o laço social e suas mutações e repercussões sobre o mal-estar na civilização. Subversiva dos ideais sociais, a psicanálise não responde a demanda social, antes, frustra-a e ameaça as nossas certezas gerando repúdio. Afinal, é muito difícil reconhecer que nossas certezas são ilusões.
O que é cura? A psicanálise cura? É a psicanálise uma psicoterapeutica? Aneurose, a psicose, a perversão enquanto modos de organização da subjetividade humana são possibilidades humanas de ser que comportam aspectos positivos e negativos, e a psicoterapeutica é um meio, não um fim. À cura, não interessa a causa, importa que a causa possa ser pensável, isso é mais importante que a cura. A psicanálise, mais do que pela cura, tem interesse pela causa pensável; logo, sua questãoé com o saber inconsciente, o saber sobre a causa: “o que me causa?”.
A análise estabelece uma descontinuidade na existência imersa nas exigências da vida cotidiana, onde ninguém que seja considerado normal psiquicamente está isento de sofrimento psíquico. É um oásis no deserto do sujeito da atualidade que deseja se lançar na trama das suas palavras e ter uma experiência do inconsciente. Por serescutado psicanaliticamente, passa, a saber, do seu inconsciente e a se ouvir naquilo que diz.
O inconsciente é a nossa margem de liberdade. Temos sentimentos ambivalentes em relação às figuras parentais, e em relação a tudo, de alguma forma: às vezes amor e ódio, às vezes desejos de morte e destruição, opções que se nos oferecem e que somos obrigados escolher. Por isso a psicanálise serve paraalguma coisa, pois é possível decidir sobre a margem de liberdade.
A psicanálise aponta um laço entre o sintoma e o sujeito, interroga a causa e interroga o sujeito naquilo que ele pensa, sobre o sentido que ele dá ao seu sintoma. A psicanálise cura, não porque faz desaparecer o sintoma e com ele todo o sofrimento – num passe de mágica – mas porque é capaz de provocar uma profunda mudança dapersonalidade no analisante. Especialmente a partir da sua atitude diante da verdade daquilo que aponta como sendo a causa do seu sofrimento e diante da sua atitude para consigo mesmo e para com os outros com quem convive.
O ser humano procura, não somente aquele que lhe diz o que é o seu bem, mas também aquele que lhe trata como seu objeto, e até mesmo como um dejeto. O inconsciente sempre fala,...