Os Vários Cercos – História Do Cerco De Lisboa, De José Saramago

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM







Edmar Monteiro Filho













OS VÁRIOS CERCOS – HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA, DE JOSÉ SARAMAGO






















CAMPINAS
2011
Edmar Monteiro Filho


















OS VÁRIOS CERCOS – HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA, DE JOSÉ SARAMAGOTrabalho apresentado ao Instituto de Estudos da
Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas

Teoria e História Literária - Disciplina LT130-A
Prof. Dr. Marcos Lopes



















CAMPINAS
2011
INTRODUÇÃO


Para Eduardo Lourenço, a tendência de certa crítica em classificar a literatura de José Saramago dentro da categoria “romance histórico” deve-se aofato de que sua melhor ficção, ou a que o celebrizou, tem como quadro o passado. Mas Lourenço afirma ainda que, ao contrário do romance histórico stricto sensu, no qual o passado deve ser evocado como presente no Passado, o escritor português trata o assunto de forma invertida, tornando o Passado em Presente. O romance de Saramago seria um reescrever da História já escrita, uma narrativa sobre aHistória e não uma fictícia ressurreição dela[1].
Se tais afirmativas foram feitas a partir de uma leitura de Memorial do Convento, obra publicada em 1982, são também adequadas a outro livro, que veio à luz nove anos depois: História do cerco de Lisboa. Especificamente sobre esse texto, Maria Alzira Seixo afirma que é “aquele onde o discurso da História mais lugar ocupa”[2], ressaltando,entretanto, que esse espaço não predomina dentro da realidade interna da obra, limitando-se a um pretexto para a construção da intriga.
Desde seu título, História do cerco de Lisboa – assumido seu caráter ficcional – propõe uma narrativa que se debruça sobre um fato registrado na “História Acreditada” – conforme expressão utilizada por Saramago para se referir à História escrita e documentada.Mas o faz de um modo próprio, com a intenção de, ao mesmo tempo em que discute os pressupostos da construção do discurso histórico, com eles dialogar no corpo e por meio da ficção.
Como é usual nos romances de Saramago, o processo pelo qual os temas privilegiados no livro – quais sejam, aqueles ligados à História e às peculiaridades do discurso histórico – são desenvolvidos através de umateia complexa de interligações com tempos e espaços diversos, com enredos múltiplos que se interpenetram, enquanto personagens, narrador e autor movem-se numa incessante troca de papéis.
Assim, é possível pensar História do cerco de Lisboa a partir daquilo que Maria Alzira Seixo chama de ruptura dos protocolos romanescos[3], característica própria do romance de José Saramago quando olhado emseu conjunto, e também como um campo de discussão – como tema e como matéria ficcional – em torno da construção da História, seja no que diz respeito ao estatuto de “verdade” histórica, da crítica da fontes ou das aproximações entre História e ficção.
O presente trabalho tem como objetivo apontar alguns dos mecanismos narrativos utilizados por José Saramago em História do cerco de Lisboa,mecanismos estes igualmente observados em outros romances do mesmo autor, estudados no decorrer da disciplina O Romance de José Saramago, quais sejam: Levantado do chão e Memorial do Convento. A partir daí, o trabalho pretende situar os principais focos do debate sobre a construção do discurso histórico, dispostos por Saramago ao longo de História do cerco de Lisboa, procurando demonstrar aposição do autor no interior desse debate, fundamentando as afirmações a partir de trechos escolhidos do romance.

ROMANCE EM CAMADAS


É possível observar em História do cerco de Lisboa (doravante denominado HCL) algumas das estratégias ficcionais mais caras a Saramago, muitas delas presentes igualmente em Levantado do chão e Memorial do Convento.
Seu anticlericalismo irônico,...