Soneto Já Antigo De Álvaro De Campos
Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de
Dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de
Londres p'ra Iorque, onde nasceste (dizes...
que eu nada que tu digas acredito),
contar |àquele pobre rapazitoque me deu tantas horas tão felizes,
Embora não o saibas, que morri...
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará... Depois vai dar
a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos(1888-1936)
Revista Contemporânea (1922)
Introdução
Foi publicado em 1922, no número seis da Revista Contemporânea. O autor, Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, considerado como um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, o qual passou por várias fases de produção artística na sua vida, o Decadentismo, o Futurismo /Sensacionismo e oPessimismo. O poema é uns dos primeiros de Álvaro de Campos, foi escrito a uns quatro meses antes do Opiário, pelo que o Decadentismo é a etapa a que pertence. Neste estádio o tédio, o enfado, o cansaço, o abatimento e a náusea domina. A vida carece de sentido, precisa de fugir à monotonia. Procura a totalização das sensações e das percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo detodas as maneiras”.
O poema publicou-se na Contemporânea, revista dirigida por José Pacheco, que pertencia ao "grupo" dos modernistas. O lançamento será uma tentativa de voltar a constituir o grupo de «Orpheu», mas Pessoa considerará essa tentativa como falhada e revela essa decepção numa carta a Armando Côrtes-Rodrigues datada de 4 de Agosto de 1923.
Assunto
É uma espécie de recadoou carta de despedida de alguém que vai morrer ou que quer morrer, já seja de maneira real ou figurada.
O título
Aparentemente poder-se-ia pensar que não faz nenhuma referência ao conteúdo do poema, mas procedemos à sua análise. O Soneto é, como diz Amorim de Carvalho no seu Tratado de Versificação Portuguesa, “o mais célebre sistema estrófico, e que os clássicos levaram à mais altaperfeição formal”, criado por Petrarca, é a forma da poesia no seu grau mais elevado. Qualquer poeta respeita, admira e forma-se com o soneto, independentemente dos diferentes movimentos, gostaria sempre de alcançar a sua perfeição nos seus versos, gostaria de domina-lo, de senti-lo até ser um só. Ao falar de soneto já estamos a falar de poeta, desta maneira, poeta é soneto e soneto é poema. Dado que se fazreferência a que é antigo e no poema fala-se de uma despedida e da mortalidade, poderíamos fazer uma tradução do título “Soneto já Antigo” por “Poeta já Velho”. O Poeta que já está velho e que se despede. Por outro lado Pessoa considera a antiguidade como a raiz de todas as artes, efectivamente se recorre ao Soneto, mas visto desde os olhos do modernismo, é dizer com a visão particular de Álvarode Campos, de ai que não se respeitem as formas de versificação.
Os pedidos
O poema é dirigido a Daisy, O “eu poético” faz três encomendas, ela é a encarregada de comunicar a sua morte em primeiro lugar, aos seus amigos de Londres, em segundo lugar, a um “pobre rapazinho” e em terceiro lugar, a uma tal Cecily. Na primeira, Daisy deve mostrar aos amigos que sente a morte do poeta. Na segunda,Daisy deve deslocar-se até York (sua cidade natal) onde se encontra o rapazinho. É importante destacar que com este rapazinho, o poeta viveu muitos momentos felizes, mas de esse aspecto Daisy não tinha conhecimento e só através do poema é que lhe é comunicada esta questão.
Personagens
O Poeta: Álvaro de Campos: no poema, identificamos o “eu poético” com Álvaro de Campos, portanto com o...
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