Alvarez Uria
Cultura escolar e racionalidade científica
Heloísa Helena Pimenta Rocha *
RESUMO : Este artigo analisa as estratégias de higienização da escola
elaboradas pelos médicos-higienistas, nas décadas iniciais do século
XX, momento em que as exigências de universalização do ensino
primário põem em cena a necessidade de configuração de uma
organização pedagógicaracional. Para tanto, toma-se como fonte um
manual escolar, buscando-se compreender os propósitos que
perpassam as prescrições higiênicas, as representações em relação
à escola e a seus agentes e, ainda, a articulação entre as pautas de
higienização e os objetivos de modernização pedagógica em voga no
período.
Palavras-chave: História da educação, higiene, cultura escolar, livros, leituraPor esse intrincado labirinto de ruas e bibocas é que vive uma
grande parte da população da cidade, a cuja existência o
governo fecha os olhos, embora cobre atrozes impostos,
empregados em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do
Rio de Janeiro.
Lima Barreto
O predio escolar deveria achar-se situado em meio de um
terreno, amplo, enxuto, arborizado, sem a possibilidade de seinterporem outros aos lados ou defronte, que lhe diminuam a
luz: 25 metros lhe são necessarios diante das janellas para
isso. Há ainda que exigir espaço para os recreios e commodidades escolares. Uma area de 3 m² por alumno seria pelo
menos necessario.
Afranio Peixoto
*
Professora do Departamento de Filosofia e História da Educação (Defhe) da Faculdade de
Educação da Unicamp. E-mail :heloisah@unicamp.br
Cadernos Cedes, ano XX, n o 52, novembro/2000
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A escola foi representada pelos intelectuais que vivenciaram as
transformações pelas quais passou a sociedade brasileira, entre o final do
século XIX e as décadas iniciais do século XX, como um importante meio de
difusão de um modo de vida considerado civilizado. Influenciados pelos
ideais iluministas em relação ao poderredentor da educação e movidos por
uma inabalável crença no dogma da ciência, coube a esses intelectuais,
entretanto, configurar a escola com base em novos padrões, que a
distinguissem dos precários e insalubres casebres em que o mestre-escola
ensinava as primeiras letras, dos modos de ensinar característicos do que,
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na sua concepção, consubstanciava a “velha pedagogia ignorante” e, poroutro lado, das miseráveis condições em que se aglomerava grande parte
da população.
Constituir a escola como signo da civilização e do progresso. Organizála como espaço da ordem e da disciplina, pela prescrição de uma nova
economia do corpo e dos gestos, de formas racionais de empregar o tempo,
ocupar o espaço e gerir o trabalho pedagógico. Dotar a instituição escolar
de uma organização calcadanos ideais de racionalidade e previsibilidade,
configurá-la como espaço que, em tudo, se diferenciasse do espaço
doméstico. Consubstanciá-la, enfim, como instituição disciplinar. Eis alguns
dos intentos a que se lançaram os intelectuais do período.
A investigação das estratégias por meio das quais se deu essa
intervenção, no bojo de um amplo projeto de moralização e regeneração da
população,consiste em uma via privilegiada para a compreensão da
produção social da escola, na medida em que oferece elementos para
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pensar sobre como aspectos significativos da cultura escolar foram se
constituindo, na interseção de uma pluralidade de saberes que postularam
o poder da ciência na configuração de um novo modelo escolar, alicerçado
em padrões de eficiência e racionalidade e, ao mesmotempo, de uma
pluralidade de dispositivos que visaram conformar a escola a esses
padrões.
Entretanto, não se pretende, nos limites deste artigo, dar conta da
constituição de uma cultura escolar moderna, na confluência desses vários
saberes e dispositivos. Interessa-nos um recorte mais delimitado, que
possibilite pôr em cena as estratégias de higienização da escola, elaboradas
pelos...
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