O brincar e a cultura

Brincar e a Cultura

Conversamos na última vez que estive aqui, sobre entender o brincar como um trabalho fundamental para o desenvolvimento global de uma pessoa é uma tarefa árdua e ainda pouco reconhecida. Muitas vezes o brincar é confundido como uma tarefa de ocupação ou de recreação infantil. Entendê-lo como um trabalho significa acreditar em seu potencial transformador e acima de tudoconstitutivo do sujeito.
Hoje acho importante conversar com vocês sobre a potencialidade do brincar e do quanto ele é muito mais do que parece para uma pessoa que observa de fora uma brincadeira.
Um boa forma de começar a nossa conversa seria contar uma descoberta pessoal que me ajudou a valorizar o Brincar. Um dia quando já estava muito cansado da Faculdade de Psicologia, comecei a estudarTeatro, depois da leitura de alguns livros uma amiga me convenceu a entrar num grupo com o seguinte argumento “Teatro, se aprende fazendo”. Em poucas aulas conheci um tal de Stanislavsky, que com certeza é um dos pais da psicanálise infantil. Para resumir, ele entende que para entrar num palco o ator tem que deixar o máximo de sua história pessoal de lado e se entregar a descoberta dos sentimentos dopersonágem através da repetição. O brincar requer sem dúvidas a habilidade da entrega e da descoberta (ou Encantamento), que para mim sempre teve um gosto de espanto.
O Brincar é fundamental para o nascimento do sujeito, o que é diferente de indivíduo e está associado diretamente ao nascimento da Psicanálise, que só foi possível quando o homem passou a se responsabilizar pelas escolhas quedefinem o seu futuro, o que hoje parece ser um direito fundamental mas nem sempre foi assim. Em muitas sociedades tradicionais as decisões já eram tomadas pelo indivíduo, antes mesmo dele nascer.
Essa mudança promoveu uma maior liberdade ao indivíduo, que passou a construir o significado de sua própria vida, ao mesmo tempo uma maior angustia, uma vez que ele não tinha mais uma figura centralizadapara intermediar a relação com o seu desejo. Assumir que duas pessoas podem ter escolhas diferentes significa entender que cada uma delas pode se relacionar de uma forma diferente com um fenômeno externo.
Quando falo que o Brincar é constitutivo do sujeito, digo que no brincar está presente a semente para a construção de uma visão singular de mundo, ou seja a subjetividade. Gosto de um conceito desaúde que é muito usado por Winnicott: um indivíduo saudável é aquele que constrói um mundo que lhe pertence, um mundo que tem sentido para ele, ou seja um sujeito criativo que constrói diariamente novos sentidos para a sua vida e para o mundo em que está inserido.
Para falar do brincar então vou ter que falar brevemente de como nasce a criatividade e a subjetividade.
A primeira relação quetemos com o mundo é com uma figura cuidado, que normalmente é a nossa mãe, nos primeiros meses é fundamental para o nosso desenvolvimento que essa relação seja de completude, ou seja estamos fusionados com o mundo (que num primeiro momento é a mãe), o ambiente existe apenas para satisfazer às suas necessidades. Se tudo ser certo essa fase inicial de cuidado completo fornecera recursos para odesenvolvimento do bebê, que nessa fase não existe enquanto ser independente.
A primeira etapa da relação mãe-bebê é fundamental para que a criança construa um sentimento de confiabilidade no mundo, o bebê tem a sensação de que tem o mundo aos seus pés e que existe uma comunicação plena entre ele e o ambiente ( outro dia eu assisti um documentário sobre o Arnaldo Batista em que ele falou que seu sonhoera que um dia falasse A e todos entendessem A, isso não seria maravilhoso?) bem uma mãe dedicada possui um ouvido altamente capacitado para distinguir o choro de seu filho e identificar o que ele quer, é uma comunicação que só existe como quem “ é um pedaço de mim”.
Mas, chega um momento em que a mãe descobre que existe um mundo além de seu querido bebê (é aí que entra o Pai, mas é...