O Mecanicismo Como Ponto De Partida Do Ateismo
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O MECANICISMO COMO PONTO DE PARTIDA DO ATEÍSMO UMA DISCUSSÃO COM RENÉ DESCARTES
Julio Cesar Rodrigues Pereira∗
Resumo: O presente texto tem por objetivo argumentar que o modelo mecanicista de universo que emerge da filosofia cartesiana lança, seminalmente, as bases para a fundamentação do argumento de que a realidade não só pode como deve serpensada fazendo abstração da idéia de um Deus Criador. Nosso procedimento de exposição será o seguinte: em primeiro lugar iremos abordar a metafísica cartesiana enquanto ponto de partida do sistema; em seguida, apresentaremos o modelo mecanicista enquanto o tronco que brota dessa raiz. Na última parte de nossa exposição procuraremos mostrar como o mecanicismo cartesiano lança as bases iniciais queviabilizam a idéia de um universo sem Deus. Palavras-chave: Descartes, Mecanicismo, Ateísmo.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Descartes abre as Meditações enunciando que Deus e a Alma são as duas principais questões a serem demonstradas pela razão filosófica. Sem essa demonstração nenhuma restrição moral nos seria permitido imputar aos infiéis: “(...) na medida em que se propõem muitas vezes, nestavida, maiores recompensas aos vícios do que à virtude, poucas pessoas prefeririam o justo ao útil, se não fossem retidas pelo temor de Deus, ou pela expectativa de outra vida.”21; isso não significa que não se deva acreditar em Deus com base nas Escrituras e nas Escrituras porque obra de Deus, o problema é que, para um infiel, esse raciocínio seria um círculo vicioso. Além do mais, são as própriasEscrituras que nos afiançam ser o conhecimento de Deus tão cristalino pela razão que, mesmo os infiéis, não são desculpáveis
Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ( PUCRS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul – Brasil. E-mail: virtujulio@hotmail.com. 21 DESCARTES, 1983 b, p. 75.
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SABERES, Natal – RN, v. 1, n.4, jun 2010
http://www.cchla.ufrn.br/saberes104
por não tê-lo, o que torna imperativo demonstrar como tal conhecimento é racionalmente possível. Quanto a Alma nos afirma que, “(...) as premissas das quais é possível concluir a imortalidade da alma dependem da explicação de toda a Física (...).”22; ou seja, Descartes está a insinuar que, aceites os princípios de sua Metafísica, sua Física, por modus ponens, será uma necessidade, umavez que se constitui no fundamento do argumento sobre a imortalidade da alma. A primeira questão a ser considerada é que Descartes é um filósofo do século XVII, e define ‘Filosofia’ da seguinte maneira23: 1. Conhecimento completo, isto é, todos os objetos da cultura humana que se proponham passíveis de enquadramento racional, fazem parte do estudo filosófico. 2. 3. Isso é possível porque, apesar dapluralidade dos produtos culturais, esses se resolvem em princípios fundamentais comuns24 dos quais são dedutíveis. O conhecimento dos princípios e a dedução a partir desses é o que de mais próprio seria ‘filosofar’ o que é, pelo menos na sua pretensão, rigorosamente aristotélico25. 4. Esses princípios são evidentes, não podendo objetivamente ser postos em dúvida, e suficientes, no sentido depermitirem a completa dedução da realidade.
2 EM BUSCA DE FUNDAMENTOS SEGUROS
Estabelecido o que é ‘Filosofia’, passemos então a filosofar. O bom senso nos diz Descartes é universalmente partilhado; ao contrário dos medievais que tem na fé cristã o parâmetro de fundamentação de suas pretensões de universalidade, Descartes buscará na subjetividade, tomada como um dado universal, a base de seusistema. Nessa perspectiva, como explicar o erro? Tanto nos Princípios quanto nas Meditações, Descartes nos conta que desde criança nos habituamos a uma série de falsas opiniões sobre as quais alicerçamos nossas certezas. No Discurso vai além, questiona todos os conhecimentos que recebeu em sua formação e obtêm um resultado deprimente: “(...) nada se poderia imaginar tão estranho e tão
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