Da Teologia À Escatologia Em Rahner E Os Reflexos Na Reflexão Atual

Da teologia à escatologia em Rahner e seus reflexos para uma meditação na atualidade

1. Introdução

O pensamento de Karl Rahner é reflexo, em certo sentido tardio, de uma mudança estrutural da realidade enfrentada pela cultura ocidental. Trata-se do fenômeno da modernidade que fez emergir um novo modelo de compreensão das coisas. É próprio desse momento histórico, o surgimento de umaracionalidade nova que repousa suas bases na força da própria razão humana, distinta e independente.
É comum conceituar esse momento com o termo “giro antropológico”, ou seja, uma proposta efetiva para superar o teocentrismo característico do medievalismo, colocando o foco de toda a atenção no ser humano. A releitura histórica, tanto quanto possível, desprovida de preconceitos permite enxergar comcerto grau de precisão os benéficos e os limites desse “giro” para o ser humano.
Importa, a partir dessas breves referências, contextualizar o pensamento teológico de Rahner para melhor entender aquilo que é o reflexo dessa guinada dentro da teologia católica, em vista de compreender seus desdobramentos sobre o tema da escatologia.
Considerando a centralidade do ser humano como destinatário darevelação de Deus, que se dá na história, será possível perceber a dinamicidade de uma escatologia cristã que convida o próprio ser, aberto a Deus, a se comprometer fiel e sensivelmente em progredir na própria história, rumo às certeza das promessas definitivas intuídas pela fé.

2. O “giro” na teologia de Rahner

Um aspecto verdadeiramente fundamental no pensamento de Rahner é a sua convicçãode que a teologia, mormente concebida como dogmática, deve partir da antropologia teológica. Aqui reside o sentido do “giro” necessário para tornar a reflexão teológica consistente e significativa. O tema de Deus precisa ser meditado e refletido em relação à problemática que envolver o ser humano, como a questão que deve nortear a reflexão teológica como um todo. É assim que se entende porqueRahner usa o termo “antropocêntrico” e não somente “antropológico.”
Não há, no entender do referido autor, nenhuma oposição entre “antropocêntrico” e “teocêntrico”. Isto porque o dado antropológico, que é o ser humano propriamente dito, é concebido como um ser marcado pela abertura transcendental. Uma transcendência que repousa na sua essência e se expressa na abertura do ser. Essa compreensão dohumano como ontologicamente aberto é a base necessária para o giro da teologia, sem correr o risco de uma redução antropologicista. É por meio dessa abertura que o ser humano está sempre referido a Deus.
Essa é a via em que se dá a autocomunicação de Deus, o meio pelo qual Deus se revela. Ao se debruçar sobre o sentido da própria Revelação, Rahner sentiu a necessidade de colocar sobre basesinteligíveis, para a racionalidade moderna, o sentido dessa autocomunicação, sem privar o ser humano da sua liberdade (um dado cristão fundamental) e, por extensão, da sua autonomia (um dado reconquistado na modernidade).
Ao postular o “giro antropológico” Rahner considera, num primeiro momento, a questão da própria teologia e seu objeto formal, porque a pergunta pelo objeto é, também enecessariamente, a pergunta pelo ser do sujeito que conhece. É uma questão de ordem metafísica que, naturalmente, impõe àquele que pergunta o seu horizonte e a possibilidade da própria pergunta. Trata-se do porquê da pergunta. Considerando que Deus não é um objeto como os demais objetos, porque escapa ao nível do fenômeno das experiências humanas, Ele (Deus) só pode ser concebido na teologia como o Absoluto detoda a realidade a quem se destina a transcendentalidade do ser humano. Dessa forma, a teologia é necessariamente, na perspectiva de Rahner, teologia transcendental.
Para Rahner a relevância teológica do “centramento” antropológico é o resultado necessário do momento histórico pelo qual passa a filosofia moderna. A razão pensante, o ser-no-mundo, o ser-aí... são conceitos que emergem na reflexão...