Mitigação Da Doutrina Do Notice Pleading Pela Suprema Corte e a Influência Do Direito Comparado No Pensamento Jurídico Americano
Bruno Barreto de Azevedo Teixeira[1]
Um dos mais notáveis casos julgados pela Suprema Corte Americana este ano foi Ashcroft v. Iqbal, [2] no qual a Corte Maior, através de uma nova construção jurisprudencial, mitigou um dos baluartes do direito processualcivil americano: a Doutrina do “Notice Pleading”.
Algumas rápidas considerações sobre o Direito Americano devem ser feitas antes de uma análise mais aprofundada sobre o caso.
A Teoria do Notice Pleading, adotada pelo Federal Rules of Civil Procedure, a lei americana que trata sobre direito processual civil, defende que a peça inicial, onde se abriga o exercício do direito de ação pelo Autorcontra o Réu, deve ser simplificada ao máximo, pois tem o mero objetivo de notificar o demandado da ação em curso, [3] uma vez que a narrativa dos fatos e o embasamento jurídico do pedido somente serão efetuados quando do procedimento da Descoberta.[4]
O caso em tela trata de ação de reparação por danos morais causados à Javaid Iqbal, cidadão paquistanês e muçulmano, detido pelasautoridades americanas após os ataques terroristas de 11 de setembro. Iqbal propôs a ação em face de Richard Aschroft, então Attorney General (cargo similar ao de Ministro da Justiça) do Governo Bush, e Robert Mueller, Diretor do Federal Bureau of Investigation (FBI), alegando que sua retenção se deu em condições subumanas e imorais.
A questão proposta desde o início dos debates, ainda naprimeira instância da Justiça Federal americana, foi estabelecer qual o grau de profundidade que a peça vestibular deveria atingir, quanto à comprovação dos fatos ali narrados, para suficientemente sobreviver a uma motion to dismiss [5] (pedido formulado pelo Réu para que se considere a exordial inepta, extinguindo-se o processo, com ou sem resolução do mérito, a depender da hipótese da decisão da corte,sua sponte).
As duas primeiras instâncias da Justiça Federal americana julgaram a narrativa dada pelo Autor em sua inicial como suficientemente profunda, segundo os standards estabelecidos por precedentes anteriores destes mesmos Tribunais.
A Suprema Corte, aos 18 de Maio de 2009, em julgamento polêmico e controverso, entendeu que os fatos dispostos na exordial de Iqbal estavaminsuficientemente comprovados.
A base do argumento jurisprudencial está contido na interpretação dada ao Artigo 8 (a) (2) do Federal Rules of Civil Procedure pelo caso Bell Atlantic Corp. v. Twombly. [6] Em Twombly, A Suprema Corte estabeleceu que a peça vestibular deve conter uma “curta e expressa declaração capaz de demonstar que o Autor tem o direito à compensação pelos danos que lhe foramconferidos”. Apesar de não requerer “detalhadas alegações factuais”, a regra, segunda a interpretação dada pela Corte em Twombly, requer comprovação de “suficiente matéria factual, aceita como verdadeira, para fundamentar uma pretensão plausível”. Uma pretensão é plausível, segundo a interpretação do dispositivo legal dada pela Suprema Corte, quando o “conteúdo fático disposto na exordial possa permitir comque a Corte chegue à razoável conclusão de que o Réu é responsável pela conduta ilícita alegada pelo autor”. [7]
A doutrina entendia que a interpretação do artigo 8 (a) (2), estabelecida por Twombly, se aplicaria somente a casos de Antitruste. Em Iqbal, a Suprema Corte acabou por inegavelmente estender tal interpretação. [8]
A quebra deste paradigma tão intrínseco do pensamento processualcivil americano pode ser creditada, em parte, à ampliação do olhar da Suprema Corte sobre o Direito Comparado, em especial às normas jurídicas e precedentes oriundos de países adotantes do Civil Law, onde a prática de se exigir extensos relatos, maiores fundamentações e profundas comprovações acerca dos fatos alegados nas peças iniciais é recorrente. [9]
A Suprema Corte Americana vem...
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